Postado em 08/06/2020
O profissional de educação física estuda para aprender com o movimento, a anatomia, a cinesiologia, a fisiologia e a biomecânica. Estas são apenas algumas das disciplinas que são ministradas para que ele possa prescrever um bom treino. Porém, quando se está atuando na área, fica claro que apenas isso não basta; é necessário entender de pessoas, aprender a lidar com emoções diversas, prestar um bom atendimento e, principalmente, saber como trabalhar a motivação na academia.
Quando se atua na área, é necessário ter consciência de que não se está trabalhando para um amontoado de músculos, e sim para um ser humano, que possui características físicas, afetivas, psicológicas e sociais únicas que o educador físico precisa entender. Hoje, vamos falar sobre como manter esse aluno motivado, sustentando sua prática por mais tempo e fazendo com que os resultados apareçam.
Na realidade atual, tratando-se de academias, seu primeiro “boom” foi nos anos 1980, quando as pessoas começaram a praticar exercícios nesses locais com mais frequência. Porém, com o avanço da tecnologia e as mudanças culturais, a sociedade foi se tornando sedentária.
A qualidade de vida das pessoas está prejudicada em termos psicológicos, pelos altos níveis de estresse e uma alimentação inadequada, favorecendo o ganho de peso, que é decorrente, também, da falta de prática de exercícios físicos.
A facilidade do acesso à informação fez com que as pessoas se tornassem mais conscientes das suas escolhas, buscando o exercício físico como uma necessidade para melhorar suas vidas, tanto física quanto mentalmente. Há, também, aqueles que buscam nos exercícios uma forma de melhorar a saúde e o convívio social, bem como por motivos estéticos.
A mídia contribui para o aumento da procura de academias, porém, divulgando corpos esteticamente perfeitos e modelados o tempo todo, vendendo esses corpos como símbolo do sucesso – afinal, quem de nós não quer ter sucesso, seja na vida pessoal ou profissional? Porém, ter um corpo bonito, de acordo com o que é imposto pela sociedade, não determina, necessariamente, ser bem-sucedido, e, na maioria das vezes, os corpos divulgados não condizem com a realidade dos clientes.
Por isso, é tão importante que o profissional de educação física tenha senso crítico e escute as verdadeiras motivações que colocaram aquele cliente à sua frente, buscando conscientizá-lo da importância de buscar um objetivo saudável e, o mais importante de tudo, alcançável. Na sua maioria, os clientes que anseiam o tipo de corpo proposto pela mídia não o alcançam, o que vem seguido de uma grande frustração, prejudicando, assim, a sua qualidade de vida e a sua saúde. É justamente isso que precisamos evitar. Esse é um pequeno exemplo de como a motivação extrínseca pode ser maligna.
Entenda o que fez seu cliente iniciar
A motivação intrínseca se dá quando o indivíduo está praticando uma atividade por causa de suas satisfações inerentes – quando a motivação decorre dessa fonte, o indivíduo experimenta sentimentos de prazer, praticando exercícios que correspondem com suas habilidades e sua realização pessoal e emocional.
Não vamos confundir “realização pessoal” com “reconhecimento social”. A realização pessoal não necessita de tapinhas nas costas de ninguém; basta ter feito o exercício e você se enche com a satisfação de simplesmente ter realizado, feliz por você e com você. O reconhecimento social pode até mesmo surgir, mas o indivíduo não é dependente dele, não sente prazer somente se for reconhecido externamente; seu prazer vem de fonte intrínseca.
Já a motivação extrínseca está ligada à prática do exercício por algum interesse externo, como para ganhar alguma recompensa tangível, social ou evitar desaprovação. O indivíduo pratica o exercício, mas o sentido do exercício não está dentro dele, mas fora.
E o que acontece se o indivíduo se compromete, exercitando-se regularmente e, no final, não consegue o reconhecimento externo que está esperando? Afinal, ele está dependente do meio externo, não é porque ele fez o que achava que tinha de ser feito que necessariamente alcançará o que procura fora de si. A frustração é um provável sentimento que pode aparecer, resultando, possivelmente, no abandono da atividade.
Muitas vezes, esse indivíduo nem chega a ir tão longe, porque aqueles com motivações extrínsecas em relação ao exercício têm a tendência de permanecer por menos tempo na prática, ou seja, não sustentam a atividade por muito tempo.
A motivação na academia
A teoria da autodeterminação ainda introduz o conceito das necessidades psicológicas básicas, como suportes necessários para a manutenção da motivação autônoma. Essas três necessidades são: competência, autonomia e conexão a um grupo de pessoas ou uma organização.
Esses três fatores são necessidades básicas que todos nós desejamos nutrir; todos são nutrientes essenciais e universais para a saúde psicológica e o desenvolvimento da motivação interna. Por exemplo, é preciso que o professor siga uma sequência pedagógica em seu trabalho para que o aluno tenha, sinta e adquira competência para a realização dos exercícios.
A motivação deve ser de fonte interna; o professor deve focar em feedbacks que propiciem a autonomia do aluno, falar mais sobre os benefícios do exercício e menos dos malefícios do sedentarismo, e, até mesmo, apresentar opções de como é possível o aluno acrescentar exercícios ou atividades físicas em sua rotina que não sejam dependentes da presença de um profissional ao lado, como uma caminhada de 30 minutos por dia, distribuída em três blocos de 10 minutos.
É fundamental proporcionar um ambiente que ofereça um relacionamento saudável com o exercício, evitando aquele perfil de educação física militarista de décadas atrás, mas um ambiente onde exista empatia, limitando os feedbacks negativos, amenizando as pressões externas, oferecendo tarefas desafiadoras, o que nutre também a sensação de competência.
Satisfazer essas necessidades aumenta as sensações de vitalidade e bem-estar, fazendo o indivíduo permanecer por mais tempo na prática de exercícios físicos, aumentando suas chances de alcançar o resultado buscado, e, pelo lado profissional, diminuindo a evasão de clientes. Para entender a motivação do seu cliente, é preciso compreender sua meta – quanto mais a meta está alinhada com as necessidades psicológicas básicas, maior é a qualidade da meta e da motivação.
A teoria da autodeterminação distingue objetivos intrínsecos (por exemplo, buscando união, crescimento pessoal ou saúde), que estão mais intimamente relacionados com o preenchimento de necessidades psicológicas básicas do que de metas extrínsecas (por exemplo, buscando poder e influência, riqueza ou reconhecimento social) que se pensa estarem associadas a “necessidades substitutivas”, que não são nem universais nem verdadeiramente essenciais ao bem-estar e ao desenvolvimento pessoal, por isso não perduram.
No domínio do exercício e da atividade física, os objetivos extrínsecos, por exemplo, quando o exercício é realizado principalmente para melhorar a aparência para chamar a atenção, ou os objetivos intrínsecos, por exemplo, desafiar-se ou melhorar e/ou preservar a saúde e o bem-estar, podem ser claramente distinguidos.
Deve-se notar que diferentes objetivos ou motivos para uma determinada atividade muitas vezes coexistem naturalmente na mesma pessoa, sendo alguns mais intrínsecos, outros menos. Nesse caso, devemos direcionar o cliente para a motivação de maior qualidade; para aquela que vem de dentro.
E quanto à falta de motivação? Alguns fatores limitantes são encontrados no caminho como barreiras para a atividade física. Algumas pessoas podem não se sentir suficientemente competentes para realizar atividades físicas, ou podem ter limitações de saúde que implicam uma barreira à atividade. Outro fator limitante é quando o indivíduo pratica o exercício com um sentimento de obrigação em vez de desejo. O profissional deve proporcionar um treino ou aula em que o cliente queira ir, e não que ele se sinta na obrigação de ter que ir.
Quando o cliente está praticando exercícios por uma pressão externa, seja social ou até mesmo médica, e realiza exercícios que não condizem com o seu gosto pessoal, a manutenção e a qualidade da motivação se tornam menores. Esse é o indivíduo que não permanecerá no treinamento por muito tempo. Indivíduos que acreditam em sua autonomia e competência para a conquista de seus objetivos têm maior probabilidade de realizar mudanças duradouras em seu estilo de vida, favorecendo o alcance dos objetivos.
As motivações intrínsecas levam o indivíduo a sustentar por mais tempo a prática de exercício físico, diminuindo a desistência. Isso faz com que o exercício se instale na sua rotina, transformando-se em um estilo de vida que, aos poucos, repercute em outros campos, como na alimentação e na atividade física fora o exercício.
Por isso, alimentar uma motivação intrínseca é também uma boa forma de fazer o indivíduo adotar um estilo de vida saudável. A maioria das pessoas, quando ingressa em uma prática de exercícios físicos, faz isso por motivações externas – é a influência da mídia, do médico que prescreveu, o desejo de fazer parte de um grupo específico que segue determinado estereótipo corporal; enfim, são vários os fatores.
Talvez seja por isso que tantos abandonam os exercícios. É importante que o professor saiba qual é a real motivação que seu cliente demonstra para a atividade. Caso identifique como força geradora a motivação externa, aos poucos, com seu atendimento e conscientização, deve fazer a transição da motivação externa para a interna. Isso trará melhores resultados para todos: para o cliente, que conseguirá permanecer por mais tempo na prática dos exercícios e atingirá objetivos de forma saudável; e para o profissional, que estará conseguindo entregar um serviço de qualidade sem perder seu cliente.
Ou seja, um bom profissional precisa compreender sobre o físico, o emocional e o social. Compreender os motivos que levaram seu cliente até você e trabalhar. É preciso que o professor conheça as necessidades humanas de satisfação; em seguida, conheça seu cliente profundamente e prescreva o exercício de uma forma que vá ao encontro das necessidades citadas, e é isso que fará o cliente mudar seu comportamento – desde não abandonar a atividade até não ver mais sentido em fazer algumas tarefas na sua rotina que não confluam com seus objetivos.
Quando procuramos levar o aluno a encontrar sua motivação intrínseca, procuramos levá-lo à busca de sentimentos positivos, como a autovalidação, ou seja, de se validar por estar ali fazendo algo por si mesmo, para melhorar sua saúde e sua vida. É preciso levar o cliente a encontrar o sentido verdadeiramente interno que o exercício tem para ele. Não basta entendermos de músculos, temos que entender de pessoas também.
“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas, ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.” (Carl G. Jung)