Postado em 16/09/2020
Abrir espaço no planejamento para ensinar como atingir, desequilibrar e derrubar um adversário pode parecer um contrassenso em tempos de tanta violência gratuita, mas não é, se você souber diferenciar as lutas (que são modalidades esportivas) das brigas (estas, sim, manifestações desorganizadas de agressividade). Tal como os esportes, os jogos e as ginásticas, as lutas são temas importantes do ensino de Educação Física.
Com características próprias – atividades que fazem parte da história e da cultura de diversos povos, têm regras e movimentos específicos –, elas podem ser praticadas por todos os alunos, independentemente da força, da altura, do sexo e da aptidão física de cada um.
Para trabalhar com esse assunto, o professor não precisa ser um atleta que saiba lutar judô, por exemplo. O essencial é estudar o assunto – tal como se faz com outros, como futebol e alongamento – e se dedicar para que as informações apresentadas sejam compreendidas pela turma com clareza. Outro ponto importante que o docente precisa ter claro é que o objetivo não pode ser transformar os alunos em lutadores profissionais (como ocorre no caso da prática de esporte de alto rendimento). A ideia é fazer com que eles conheçam as características comuns às lutas, as técnicas, o histórico, as vestimentas e os países em que as lutas são praticadas (e também vivenciem movimentos básicos de cada modalidade).
Trabalho com lutas permite explorar força e agilidade
Como já foi explicado, a meta do trabalho com lutas na escola não é fazer a garotada lutar seguindo à risca as regras pertinentes a cada prática. O importante mesmo é garantir uma diversidade de propostas de atividades, combinando pesquisa, conhecimento de regras e, é claro, muito movimento.
"Ao proporcionar essas vivências diversas, o docente permite à garotada conhecer novas possibilidades de movimentos, o que contribui para que a memória corporal da turma ganhe outros elementos, diferentes dos tradicionalmente realizados em jogos, como o futebol", explica Eduardo Augusto Carreiro, mestre em Ciência da Motricidade Humana e gerente de esportes e lazer do Serviço Social da Indústria (Sesi), em São Paulo.
Na prática, isso quer dizer elaborar aulas que explorem habilidades motoras e capacidades físicas que envolvam os seguintes aspectos: força, flexibilidade, equilíbrio e desequilíbrio, agilidade e corrida ou saltos. Esses são os elementos básicos para qualquer luta. Sendo assim, vale convidar os alunos para experimentar um desafio de queda de braço ou para uma briga de dedão, em que os oponentes dão as mãos, mantendo os polegares levantados e, com o braço apoiado em uma mesa, tentar abaixar o dedão um do outro, por exemplo. O importante é levá-los a compreender quão fundamental é, em ambos os casos, empregar a força para vencer, ao mesmo tempo que é fundamental não se descuidar do equilíbrio, sem se esquecer também de deixar claro que violência e deslealdade são alvos de punição.
Há muitas outras atividades que você pode propor aos alunos para trabalhar as habilidades exigidas pelas lutas. É possível, inclusive, inventar algumas e convidar os alunos a fazer o mesmo. As que privilegiam o equilíbrio são as que têm como desafio manter o corpo estável mesmo diante de quedas e de tentativas de deslocamento do adversário. Práticas que exigem força devem fazer com que a musculatura vença a resistência para realizar algum movimento, como empurrar, elevar, apertar e segurar. Atividades que envolvem agilidade ou rapidez são as que pedem capacidade de deslocamento, tempo de reação curto entre o estímulo recebido e o movimento realizado. Já as que têm como foco a flexibilidade exigem movimentos amplos que atinjam maior amplitude articular para sustentar algumas posturas, como as de chutes.
Para treinar a força, por exemplo, a turma pode praticar cabo de guerra e, para o equilíbrio, vivenciar atividades que exijam ficar em uma perna só e, ao mesmo tempo, derrubar o adversário com algum tipo de golpe.
Ao combinar exercícios que exigem diferentes capacidades físicas, como força e elasticidade, e outras habilidades motoras, como correr, rastejar e pular, você ajuda os alunos a aprofundar seus conhecimentos sobre o próprio corpo e a respeito dos movimentos que são capazes de fazer, e contribui para o desenvolvimento do processo de aceitação da disputa como um elemento das competições, e não como uma atitude de rivalidade frente aos colegas.
Jogos, esportes e lutas exigem movimentos comuns
Embora as lutas possam parecer um conteúdo um tanto quanto desconectado dos esportes tradicionalmente praticados nas aulas de Educação Física (futebol, vôlei, basquete e handebol), ao analisá-los com cuidado, fica fácil perceber como os pilares força, flexibilidade, equilíbrio e desequilíbrio, agilidade e corrida ou saltos são comuns a todos, o que varia é a exigência em relação a cada um deles, requerida dos participantes.
"Uma das capacidades físicas importantes tanto para o basquete como para o judô é a força, porém, as condições gerais em que ela aparece em cada prática são distintas. No jogo, o contato entre adversários nada tem a ver com o que ocorre na luta. Variam também os materiais e os movimentos, tal como o objetivo. Enquanto no basquete o propósito é fazer cestas, a intenção no judô é derrubar o oponente de costas para o chão", explica Carreiro.
Isso comprova como não basta o aluno ter desenvolvido certa capacidade física num jogo se, no momento de utilizá-la em outro contexto, é preciso outro foco. Quanto mais vivências diferentes os estudantes tiverem de certa habilidade, mais hábeis e conscientes de seus movimentos eles serão.